FUNCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL E OS
CRIMES NA RELAÇÃO DE CONSUMO
Mariayda Faria
As normas penais incriminadoras são eficazes na
prevenção do abuso do poder econômico no caso das relações de consumo. Tais
crimes estão elencados no art. 63 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor.
Art. 63: Omitir dizeres ou sinais
ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens,
nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena – Detenção de seis meses a dois anos e
multa. §1o Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante
recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
§2o Se o crime é culposo: Pena – Detenção
de um a seis meses ou multa
Este artigo procura
reforçar o mandamento do artigo 9º do mesmo Código, pois este exige dos
fornecedores de produtos e serviços a obrigação de informar nos rótulos e
mensagens publicitárias, de maneira clara, os aspectos de nocividade e
periculosidade do produto ou serviço que podem colocar em risco a saúde ou
segurança do consumidor.
A classificação é a seguinte:
Crime Comum (quanto
a legislação), próprio (quanto ao sujeito ativo), de perigo abstrato (quanto a
lesão do bem jurídico tutelado), de mera conduta (quanto ao resultado),
omissivo próprio (quanto a ação), principal (quanto a exigibilidade de
consumação de outro crime), unissubsistente (quanto ao fracionamento do iter
criminis), unissubjetivo (quanto ao número de sujeitos ativos), doloso ou
culposo (quanto ao elemento subjetivo), de ação única (quanto ao núcleo do
tipo), de ação penal pública incondicionada (quanto à ação penal) e instantâneo
(quanto a duração) PASSARELLI, Eliana. Dos crimes contra as
relações de consumo: Lei federal no 8.078/90 (CDC). São Paulo: Saraiva, 2002.
De acordo com o art. 18, parágrafo
único, do Código Penal, que positivou o princípio da excepcionalidade, a figura
culposa será admitida apenas quando expressamente prevista no texto legal. Na
Lei federal n. 8.078/90,o legislador optou por criminalizar as condutas tipificadas
no art. 63, § § 1º e 2º, quando o elemento subjetivo do agente for a culpa stricto
sensu.
O artigo 64 assim
dispõe:
Art.
64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade
ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação
no mercado:
Pena
- Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. Incorrerá nas
mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando
determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na
forma deste artigo (PASSARELLI, 2002, p. 55).
Tal artigo procura
preservar os valores dispostos no inciso I do artigo 6o do CDC[1]. Além de
apenar o sujeito ativo com penas de detenção e pecuniária, “visa assegurar o
cumprimento do dever de o fornecedor ‘fazer
boa a coisa
vendida’” (FILOMENO, 2000, p. 619). O referido texto, trata dos produtos que
têm sua nocividade ou periculosidade conhecidas apenas após sua distribuição no
mercado, e punirá o fornecedor que, tomando conhecimento do fato, não comunicar
a autoridade competente e os consumidores sobre a descoberta.
Será ainda apenado
nos termos desse artigo quem deixar de tirar do mercado
os produtos nocivos
ou perigosos, quando determinado pela autoridade competente, conforme o
parágrafo único do artigo em testilha.
Sua classificação doutrinária é a seguinte: é um delito comum, próprio,
de perigo, de mera conduta, comissivo, principal, simples, plurissubsistente,
unissubjetivo, doloso, de ação única e instantânea. É admitida a tentativa, pois
como vimos, trata-se de crime comissivo e plurissubsistente. Mais uma vez a
sanção cominada é cumulativa.
O objeto jurídico tutelado é o direito do consumidor de ter sua vida,
saúde e
segurança protegidas. O sujeito ativo é qualquer prestador de serviço
que contrariar determinação de autoridade competente na execução do serviço
perigoso. Os sujeitos passivos por sua vez são a coletividade, os consumidores
difusamente considerados e o exposto diretamente ao serviço perigoso prestado.
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou
enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica,
qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia
de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
§1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a
oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa
(PASSARELLI, 2002, p. 67-68).
Proteger
o direito do consumidor à informação clara e não contraditória, que lhe é
inerente, e que estão dispostas no artigo 30 e seguintes do Código de Defesa do
Consumidor.
O sujeito ativo é qualquer fornecedor que ofereça produtos ou serviços
em desconformidade com o artigo, ou quem patrocine a oferta fraudulenta
ludibriando ou não informando o consumidor. O elemento subjetivo do tipo é “o
dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de fazer a afirmação falsa ou
enganosa, omitir informação relevante ou patrocinar oferta sabendo-a
fraudulenta. Embora prevista em lei, há controvérsia quanto a modalidade
culposa” ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do
consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993.
Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria
saber ser enganosa ou abusiva: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo único – Vetado – Incorrerá nas mesmas penas quem fizer ou promover
publicidade de modo que dificulte sua identificação imediata (BRASIL, 1990).
O crime possui duas objetividades jurídicas. Uma é tutelar as relações
de consumo, e a outra é proteger a integridade psíquica de todos os
consumidores. Esse artigo, ao contrário do anterior, trata-se de crime de dano,
pois se exige lesão do bem
jurídico tutelado, não bastando apenas o perigo.
Os sujeitos ativos são os profissionais que criam e produzem publicidade
(publicitários) e os responsáveis pelo meio de veiculação dessa publicidade. Os
sujeitos passivos são os consumidores difusamente considerados e os expostos
diretamente a publicidade. Os elementos subjetivos do tipo são dois: o dolo
(sabe) e a culpa (deveria saber).
Art. 68. Fazer ou promover
publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa: Parágrafo único –
Vetado – Incorrerá nas mesmas penas quem fizer ou promover publicidade
sabendo-se incapaz de atender à demanda .
Como se trata de um delito que cuida diretamente da vida e segurança do
consumidor, o legislador cominou uma
pena que é duas vezes maior que a do artigo anterior, que trata tão-somente de
uma lesão que não seja prejudicial à vida ou segurança do consumidor.
A propaganda terá que induzir o comportamento do consumidor de tal
maneira que coloque em risco a sua saúde ou segurança, esse risco não for
observado, e houver publicidade abusiva ou enganosa.
No que diz respeito à objetividade jurídica, temos duas proteções: a
primeira protege a relação de consumo, e a segunda protege a saúde e segurança
dos consumidores.
Há mais de um sujeito ativo para este delito: um é quem faz a
publicidade
(publicitário) e outro é quem veicula propaganda que sabe ou deveria
saber ser capaz de induzir o consumidor a ter um comportamento prejudicial ou
perigoso a sua saúde ou segurança. Já os sujeitos passivos são todos os
consumidores difusamente considerados e aquele no qual a publicidade seja capaz
de induzi-lo a ter um comportamento prejudicial ou perigoso a sua saúde. Os
elementos subjetivos do tipo são dois: o primeiro é dolo direito ou eventual
(sabe), e o segundo é a culpa (deveria saber).
Art. 69. Deixar de organizar dados
fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
Este artigo, em sua tipificação, pune quem não organiza dados fáticos,
técnicos,
e científicos que dão base à publicidade.
Como sujeito ativo temos o fornecedor, e como sujeito passivo
encontramos a coletividade de consumidores. Trata-se de crime omissivo próprio,
caracterizado pelo núcleo do tipo “deixar”. Como elemento subjetivo do tipo,
temos o dolo. Inexiste punição a título de culpa.
Art. 70. Empregar na
reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados, sem autorização
do consumidor: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa (BRASIL, 1990).
Esse crime é classificado como comum, próprio, de perigo, de mera
conduta, comissivo, principal, simples, unissubsistente, unissubjetivo, doloso,
de ação única e instantâneo. O sujeito ativo deste delito é o fornecedor de
serviços. O sujeito passivo é a coletividade de consumidores. Podemos ainda destacar
que o crime possui dúbia objetividade jurídica, que são as seguintes: a
proteção à tutela das relações de consumo e o patrimônio do consumidor lesado.
Art. 71. Utilizar, na cobrança de
dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas
incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o
consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso
ou lazer: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Com a
tipificação, será punido cumulativamente com detenção e multa, o fornece-dor
(sujeito ativo)1 que se valer de ameaça, coação, constrangimento físico ou mo-ral,
afirmações falsas, incorretas ou enganosas, ou qualquer outro meio que exponha
o consumidor (sujeito passivo juntamente com a coletividade) ao ridículo, ou
que interfira no seu trabalho, descanso ou lazer, para que assim sejacobrado e
impelido a pagar a dívida.
No artigo
42, que diz o seguinte,
Art. 42. Na cobrança de débitos, o
consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a
qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor
cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual
ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros
legais,salvo hipótese de engano justificável.
Temos como objetividade jurídica primeira, a relação de consumo.
Secundaria-mente se protege a honra, a incolumidade física e psíquica do
consumidor lesado. Já a classificação que se dá a esse crime é a seguinte: é
crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta ou material, comissivo,
principal, simples, unissubsistente,
plurissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação múltipla e
instantâneo. “Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações
que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena -
Detenção de seis meses a um ano ou multa”.
Esse artigo procura através de sua tipificação penal proteger o que já
consagra
o mesmo Código no artigo 43, parágrafos 1o e 2o, que diz o seguinte:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no
art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros
e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas
respectivas fontes.
§ 1° Os
cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em
linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas
referentes a período superior a cinco anos.
§ 2° A
abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada
por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
O
artigo 73 é uma forma de desdobramento do anterior. Castiga-se aqui, o
fornecedor ou qualquer pessoa que seja responsável (sujeito ativo) e que não corrigir
imediatamente informação sobre consumidor difusamente considerado (sujeito
passivo) que conste em cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe
ou deveria saber não estar correto. Pune-se apenas com uma sanção, que pode ser
de detenção ou multa.
Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente
informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou
registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.
A
tipificação em questão no referido artigo 73 visa proteger as relações de consumo
e a dignidade do consumidor diante da proteção ao crédito. A classificação desse
crime é a seguinte: é crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta,
omissivo
próprio,
principal, simples, unissubsistente, unissubjetivo, doloso, de ação única e
instantânea.
“Art. 74: “Deixar de entregar ao consumidor o termo
de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo;
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa”
Pune-se quem deixar de entregar (sujeito ativo) ao consumidor (sujeito
passivo junto com a coletividade) o termo de garantia adequadamente preenchido
com indicação clara do conteúdo. Tido como crime comum, próprio, de perigo, de mera conduta, omissivo próprio, principal,
simples, unissubjetivo, doloso, de conteúdo variado e instantâneo.
Data de Publicação: 23/09/2012
Ementa: REGISTRO DE CANDIDATURA VEREADOR IMPUGNAÇÃO CRIME CONTRA
O DIREITO DO CONSUMIDOR CONDENAÇÃO CRIMINAL ART. 15 , III , DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS A PARTIR DO TRÂNSITO EM
JULGADO DA CONDENAÇÃO EENQUANTO DURAREM OS SEUS EFEITOS DESPROVIMENTO..
agind2012t REGISTRO DE CANDIDATURA VEREADOR IMPUGNAÇÃO CRIME CONTRA O
DIREITO DO CONSUMIDOR CONDENAÇÃO CRIMINAL ART. 15 , III , DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS A PARTIR DO TRÂNSITO EM
JULGADO DA...
TJSP - Recurso em Sentido Estrito RECSENSES 9000008212010826 SP...
Data de
Publicação: 10/08/2012
Ementa:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA OFERTADA POR CRIME
CONTRA O CONSUMIDOR. GERENTE DE PLANTÃO É, EM TESE, RESPONSÁVEL PELA
ADULTERAÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE DOS PRODUTOS COLOCADOS À VENDA MESMO QUE NÃO
PARTICIPE DIRETAMENTE NA FRAUDE. RECURSO PROVIDO PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
OFERTADA CONTRA ELE.
Súmulas do STJ:
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[1] Este dispositivo é
um tipo penal aberto, pois caberá ao aplicador e intérprete
dar o significado de nocividade e
periculosidade. Este crime é omissivo próprio, e a conduta só será punida
quando for dolosa. A pena, mais uma vez, é cumulativa.